No final de setembro tive a oportunidade de acompanhar um pouco da rotina de índios da tribo Pankará, situada na Serra do Arapuá, zona rural de Carnaubeira da Penha, no Sertão do Estado, através da Federação das Apaes de Pernambuco (Feapaes-PE). Lá, presenciei sobre o solo seco e quente, paisagens áridas e abaixo de um céu sem nuvens, a vida de algumas famílias e crianças com diversos tipos de deficiência, e que vivem em extrema pobreza, em casas de taipa, com móveis e utensílios rudimentares. Em uma dessas casas, conheci o pequeno Tallison, de apenas 8 anos de idade. "Ele nasceu saudável e numa noite começou virar os olhos e chorar", explicou o pai do garoto que posteriormente foi diagnosticado com epilepsia. Na verdade, Tallison é seu sobrinho, adotado após a mãe abandonar a criança ainda bebê. O indiozinho não anda e é alimentado com o auxílio dos pais ou da irmã. O dilema da família não para por aí, o garoto não é a única criança com necessidades especiais da casa, além dele, sua irmã com pouco mais de um ano, nasceu sem os dois fêmur, das pernas, tornando-a impossibilitada de andar.
Outra situação delicada encontrada em outra casa, uma criança que além da deficiência mental tornando seus músculos atrofiados, estava com indícios de bronquite, porém, segundo relatos de um agente de saúde, sempre que a equipe procura a mãe para levar a criança para a cidade, argumentos fúteis impedem a remoção do jovem para o devido tratamento. Nos deslocávamos por mais algumas centenas de metros e mais índios em situações semelhantes.
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Índio Cosme Damião |
Muito distante da cidade, a aproximadamente 18 quilômetros, a locomoção para quem mora em localidades mais afastadas da aldeia, torna-se quase impossível. Ladeiras íngremes e estrada acidentada, prolonga a viagem em quase duas horas de carro. Com esta realidade, as famílias mais carentes sobrevivem do que a terra seca dá: frutas, verduras e legumes. A criação de cabras, galinhas e porcos também garante a esses Pankarás, a alimentação. As famílias com crianças especiais, recebem uma pensão do governo. A água é retirada de poços artesianos e da captação de chuvas em cisternas (mas quais chuvas?). Há exceções, a exemplo do índio Cosme Damião, que inclusive me hospedou em sua residência por dois dias e nos acompanhou durante algumas visitas. Agente de saúde, ele conta orgulhoso que é tido como um líder comunitário e que além de agente de saúde, é psicólogo, psiquiatra e enfermeiro, pois com a distância da cidade, em muitos casos de emergência, o jeito é socorrer ali mesmo, com a experiência adquirida ao longo dos anos, na comunidade indígena. Ele é casado e pai de duas crianças, e adora política. Em uma viagem na carroceria da pickup emprestada para nossa locomoção, conversamos bastante sobre o tema. Sua vizinhança também sobrevive em condições melhores que as de outras famílias, mantendo-se tipicamente da agricultura, criação de animais, fabricação de farinha. Tem até até carpintarias!
Mas voltando ao assunto, o alto índice de pessoas com deficiência na tribo, pode ser atribuído aos casamentos entre pessoas da mesma família, comum entre os Pankarás, como afirma Aline Vieira, diretora da Apae Carnaubeira da Penha. De acordo com a Cacique, enfermeira e vereadora de Carnaubeira da Penha, Dores dos Santos Silva, ou "Dorinha Pankará" como é mais conhecida na região, cerca de 4 mil índios (Pankará e Atikum), são descendentes de quatro famílias do século XVI, e também reconhece que o alto índice de deficiência física e/ou mental, é decorrente da endogamia (relação entre indivíduos com algum grau de parentesco). Estima-se que dessa população, 250 índios possuem deficiências que vão desde, cegueira, surdez, epilepsia, síndrome de down, autismo e malformação congênita. Ela explicou que, quando questionados, muitos pais negam o parentesco com o(a) cônjuge, para não serem vistos como culpados pelas deficiências dos seus filhos.
Pude acompanhar também, a Apae do município, que atende as tribos Pankará e Atikum, além dos especiais que vivem na cidade. Lá, eles têm o acompanhamento de fonoaudiólogos, fisioterapeutas, aulas de música, de capoeira e artesanato. As apaes do Estado, contam com o apoio da Feapaes-PE e da Fundação Liliane Fonds, da Holanda.
Enfim, uma experiência que me fez aproximar ainda mais do movimento apaeano.
Por Adriano Monteiro
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